9 de novembro de 2010

Niterói - Portugal pequeno

POR: Leonardo Santamalvina

O grupo português do bairro de Ponta D'areia se estabelece no local a partir de 1920 e consagra-se por participar de trabalhos diversos, o que resulta em uma disputa de vagas com os brasileiros. Mas, mesmo com tanto trabalho pesado a ser feito, o início do século é descrito como uma época de riquezas para os portugueses, considerados trabalhadores, solidários, austeros e disciplinados. A comunidade era a guardiã dos valores lusos da terra de além mar e ficou conhecida como Portugal Pequeno.

Niterói recebeu muito imigrantes no início do século, para suprir a falta de mão-de-obra resultante do fim da escravidão. Apenas para se ter uma idéia o censo da década de 20 indica que 1/6 da população da cidade era de imigrantes, a maior parte deles de portugueses.
A fundação da Sociedade Beneficente Colônia Portuguesa acontece em 1904, no mesmo ano em que o prefeito Paulo Alves começa a remodelar a cidade (a exemplo do que aconteceu no Rio de Janeiro). A implantação de esgoto e sistema de distribuição de água desagradou parte dos moradores que foram realocados, mas que somada a ligação ao Rio, feita através de barcas, aumentaram o fluxo de pessoas que passam a circular pela cidade.
Logo nos primeiros anos de ocupação da comunidade, importantes construções, guardiãs da memória lusa, ajudam a consolidar a ocupação portuguesa. A importância para os imigrantes e para a própria cidade de Niterói do Centro musical beneficente, a Igreja de Nossa Senhora de Fátima e do Hospital Santa Cruz, são evidentes. Esses espaços consolidam a imagem do grupo imigrante na cidade e reúnem outros conterrâneos que moram fora do bairro.
Ponta d´areia é descrita como um bairro calmo, tranqüilo, onde comia-se e vivia-se bem. O grupo é visto como coeso e unido. O bairro é formado por um grupo de casas que lembra muito uma aldeia portuguesa, com casas espalhadas entre o morro da Penha e o mar. O crescimento do bairro do início do século é fomentado pelos estaleiros que empregavam muitos imigrantes na atividade naval e pesca, com portugueses trabalhando como ferreiros, torneiros, carpinteiros e calafates.
Outra importante influência foram os negócios do Barão de Mauá, que dá nome a principal rua de Ponta d´Areia. O estaleiro montado pelo barão possuía tubos de ferro para água e gás, armamento em bronze e navios que empregavam mais de mil operários. A Companhia de Comércio e Navegação também foi um importante pólo de empregos, com predominância de mão-de-obra lusa e ponto de encontro de portugueses em busca de uma nova vida.


Os portugueses que não freqüentavam as atividades sociais promovidas pela comunidade eram considerados perdidos. O grupo não perdoava quem não se submetesse aos códigos sociais vigentes, como freqüentar a missa. "Os moradores excluem do bairro todos aqueles que não se enquadram na comunidade portuguesa do modelo que desejam afirmar e lembrar." Os relatos revelam as ambigüidades entre a comunidade paraíso dos ancestrais e uma realidade histórica – a presença de prostitutas por exemplo, é confirmada, mas nenhuma delas é tida como parte da comunidade ou moradora no bairro.
A primeira forma de integração da comunidade lusa no Brasil foi o assistencialismo com a fundação da Igreja Nossa Senhora de Fátima, do Hospital Santa Cruz de Beneficência Portuguesa e do Centro musical, construídos com recursos conseguidos através de eventos beneficentes. O atendimento exclusivo aos patrícios nunca foi uma exigência nessas instituições.
A motivação para as construções pode ser explicada objetivamente, em razão das necessidades e do vazio de espaços em que se encontravam e subjetivamente pelo sentimento de não-pertencimento ao novo país.
O bairro de Ponta d´areia está bastante descaracterizado, sua banda está desativada e grande parte das famílias, sentindo a "invasão de não pertencentes as comunidades" se mudou. Mesmo assim, o rótulo de Portugal Pequeno continua, com transformações urbanas e um progresso que não foi bem aceito pelos imigrantes "pois afetou a convivência familiar", que aconteceu principalmente após a década de 50. O progresso aparece com mensageiro da fragmentação do núcleo familiar, que teria sido garantia de paz, harmonia e segurança.


Por um lado, os estaleiros passam a oferecer aos trabalhadores os serviços antes prestados pelo comércio do bairro, por outro, a diminuição da imigração foi minando o próprio crescimento da comunidade. O prédio Musical continua sendo o símbolo máximo da comunidade. O auge da reunião da comunidade acontece ainda por motivos religiosos - a procissão de Nossa Senhora de Fátima.
Paradoxalmente, os tempos idílicos da comunidade se assemelham a uma colônia portuguesa perdida no meio urbano do Rio de Janeiro, mas são considerados o exemplo da modernidade no século 20 - impossíveis de serem revividas na atualidade. A nostalgia parece surgir, sobretudo em relação à um tempo onde existiam poucos obstáculos para se conquistar alguma coisa - onde a colônia representava uma casa onde se conservavam valores e proteção e sempre se podia contar com algum padrinho mais bem situado. Oportunidades que hoje se encontram fragmentadas e perdidas pela cidade grande.

[GOMES, Ângela de Castro. Histórias de Imigrantes e de Imigração no Rio de Janeiro. RJ: 7Letras, 2000]

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